Nas últimas duas semanas, ocorreram em Belém do Pará dois eventos com temáticas importantes e divulgação nebulosa. As programações tiveram pompa e circunstância, presença de autoridades e convidados internacionais. Um propôs debates acadêmicos e científicos sobre a Amazônia, e o outro a comercialização e promoção de negócios da Bioeconomia. Em um momento singular que este tema está em debate das mídias de massa aos grupos de Whatsapp, penso que os eventos poderiam e deveriam ser mais democráticos, acessíveis e transparentes.
A Bioeconomia é fruto do conceito de Economia Ecológica e ganhou evidência no Brasil a partir de 2020, no auge da Pandemia. Rapidamente conquistou adeptos do mundo dos negócios como uma onda perfeita para o surfe ESG, introduzindo a urgência em contrapartidas de projetos de responsabilidade socioambiental e valor compartilhado – ou como oportunidade de ouro das carteiras de investimento. E para quem sempre sobreviveu do trabalho no Campo aqui no Pará – parecia que tinha chegado a vez. De Plano de Governo à visibilidade no “Agro é Pop”, tudo encaminhava para a valorização, visibilidade e divulgação das (raras) histórias de sucesso – com promessa de muitos investimentos e chances para todes.
Mas aí vem a dura realidade: em meu ponto de vista, no modelo que vivemos hoje, uma família rural pobre tem a mesma chance de sucesso financeiro com seus produtos que a de um garoto se tornar jogador de futebol por um grande clube. Dados do Ministério do Trabalho (2022) indicam que a média salarial de um jogador de futebol no Brasil é de R$ 8,4 mil. Porém, mais de 80% dos atletas assalariados recebem até R$ 1 mil – e apenas 0,12% recebem entre R$ 200.000,01 e R$ 500 mil mensais. Evoluindo a comparação e seguindo minha lógica, visualizo um futuro onde os dados do Pará (e do Brasil) da Bioeconomia serão muito bons, mas desta mesma forma: concentrando renda e mascarando os números do PIB, enquanto a maioria dos partícipes deste setor seguirá na miséria.
O cenário posto é que a chance das famílias rurais ou grupos organizados é se esforçar para ser um fornecedor adequado ao compliance das big companies. Ou se associar a um startupeiro de plantão e participar de dezenas de acelerações e fazer centenas de pitches para quem não entende nada da cultura da floresta. Ou cair nas graças de um investidor/grupo que queira purificar seu coração (e seus indicadores de impacto) associando sua marca a uma causa. Não é rabugice nem dureza da minha parte – é um sentimento que a falsa esperança que a vez do Campo finalmente teria chegado acabou com as portas fechadas dos eventos que agora debatem os rumos da Bioeconomia em petit comite.
Penso que um ecossistema econômico ideal para a Bioeconomia deveria ser composto por todos os Setores. O Primário – representado pelo extrativismo, plantio, colheita e salvaguarda das terras e territórios – com real protagonismo, especialmente Povos e Comunidades Tradicionais, Indígenas e Quilombolas (PCTIQs), associados aos setores que podem processar insumos, tecnificar produção, melhorar processos, acessar mercados, proteger juridicamente, testar e validar produtos…Uma infinidade de conhecimentos somados ao papel do Estado de garantir apoio e leis mais justas, o Terceiro Setor de articular movimentos, e a Academia de gerar pesquisas e comprovações – sem contar as Associações, Cooperativas, Federações, Sindicatos, Sistema S, Agências Públicas, Bancos, Movimentos Sociais, Movimentos Agrários, Parques de Ciência e Tecnologia, Museus – enfim!
Sem esquecer o papel fundamental das escolas, ensinando em cada município que os patrimônios naturais não tem nada de humildes – e tem muito valor. É necessário uma sinergia de Setores em uma rede complexa que nem consigo definir – apenas sentir que o modelo proposto não está certo, e que investir recursos públicos em eventos de gala não irá transformar nossa história. Por mais fóruns participativos, debates públicos, articulações de base, respeito aos saberes tradicionais e cuidado com quem deveria protagonizar e definir os rumos deste debate – para não vender barato o que nos é caro.
Por Berna Magalhães – Fundador e Diretor de Criação e Sentido na Libra